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Hoje,
a dica é uma crônica do nosso amado Rubem Braga. Vá até o Instagram para ouvir
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Abraço,
Nathália
Dias
A Minha Glória Literária*
Rubem
Braga
“Quando
a alma vibra, atormentada...”
Tremi
de emoção ao ver essas palavras impressas. E lá estava o meu nome, que pela
primeira vez eu via em letra de fôrma. O jornal era O Itapemirim, órgão oficial do Grêmio Domingos Martins, dos alunos
do Colégio Pedro Palácios, de Cachoeiro de Itapemirim, Estado do Espírito
Santo.
O
professor de Português passara uma composição: “A Lágrima”. Não tive dúvidas:
peguei a pena e me pus a dizer coisas sublimes. Ganhei 10, e ainda por cima a
composição foi publicada no jornalzinho do colégio. Não era para menos:
“Quando
a alma vibra, atormentada, às pulsações de um coração amargurado pelo peso da
desgraça, este, numa explosão irremediável, num desabafo sincero de
infortúnios, angústias e mágoas indefiníveis, externa-se, oprimido, por uma
gota de água ardente como o desejo e consoladora como a esperança; e esta
pérola de amargura arrebatada pela dor ao oceano tumultuoso da alma dilacerada
é a própria essência do sofrimento: é a lágrima.”
É
claro que eu não parava aí. Vêm, depois, outras belezas; eu chamo a lágrima de
“traidora inconsciente dos segredos d'alma”, descubro que ela “amolece os
corações mais duros” e também (o que é mais estranho) “endurece os corações
mais moles”. E acabo, com certo exagero, dizendo que ela foi “sempre, através
da História, a realizadora dos maiores empreendimentos, a salvadora miraculosa
de cidades e nações, talismã encantado de vingança e crime, de brandura e
perdão”.
Sim,
eu era um pouco exagerado; hoje não me arriscaria a afirmar tantas coisas. Mas
o importante é que minha composição abafara e tanto que não faltou um colega
despeitado que pusesse em dúvida a sua autoria: eu devia ter copiado aquilo de
algum almanaque.
A
suspeita tinha seus motivos: tímido e mal falante, meio emburrado na conversa,
eu não parecia capaz de tamanha eloquência. O fato é que a suspeita não me
feriu, antes me orgulhou; e a recebi com desdém, sem sequer desmentir a
acusação. Veriam, eu sabia escrever coisas loucas; dispunha secretamente de um
imenso estoque de “corações amargurados”, “pérolas da amargura” e “talismãs
encantados” para embasbacar os incréus; veriam…
Uma
semana depois, o professor mandou que nós todos escrevêssemos sobre a Bandeira
Nacional. Foi então que — dá-lhe Braga! — meti uma bossa que deixou todos
maravilhados. Minha composição tinha poucas linhas, mas era nada menos que uma
paráfrase do Padre-Nosso, que começava assim: “Bandeira nossa, que estais no
céu...”
Não
me lembro do resto, mas era divino. Ganhei novamente 10, e o professor fez
questão de ler, ele mesmo, a minha obrinha para a classe estupefata. Essa
composição não foi publicada porque O
Itapemirim deixara de sair, mas duas meninas — glória suave! — tiraram
cópias, porque acharam uma beleza.
Foi
logo depois das férias de junho que o professor passou nova composição:
“Amanhecer na Fazenda”. Ora, eu tinha passado uns quinze dias na Boa Esperança,
fazenda de meu tio Cristóvão, e estava muito bem informado sobre os amanheceres
da mesma. Peguei da pena e fui contando com a maior facilidade. Passarinhos,
galinhas, patos, uma negra jogando milho para as galinhas e os patos, um menino
tirando leite da vaca, vaca mugindo… e, no fim, achei que ficava bonito, para
fazer pendant com essa vaca mugindo
(assim como “consoladora como a esperança” combinara com “ardente como o
desejo”), um “burro zurrando”. Depois fiz parágrafo, e repeti o mesmo zurro com
um advérbio de modo, para fecho de ouro:
“Um
burro zurrando escandalosamente.”
Foi
minha desgraça. O professor disse que daquela vez o senhor Braga o havia
decepcionado, não tinha levado a sério seu dever e não merecia uma nota maior
do que 5; e para mostrar como era ruim minha composição leu aquele final: “um
burro zurrando escandalosamente”.
Foi
uma gargalhada geral dos alunos, uma gargalhada que era uma grande vaia cruel.
Sorri amarelo. Minha glória literária fora por água abaixo.
Janeiro, 1960
*Braga, Rubem, 200 Crônicas
escolhidas/ Rubem Braga. 27ª ed.— Rio de Janeiro: Record, 2007.
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