Eleanáticos,
como você estão? No último domingo, dia 16 de julho, muitos estudantes do
estado do RJ realizaram a primeira etapa do exame da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro, a UERJ, que, nesse ano, voltou a cobrar a leitura de livros. E
pra essa primeira prova foram cobrados os contos ‘‘A terceira margem do rio’’ e
‘‘O espelho’’, ambos do livro Pequenas Estórias, de Guimarães Rosa, um grande
escritor brasileiro do século passado. Nesse texto, farei uma análise dos dois
contos, muito diferentes, metafóricos e belíssimos. Caso você queira ler os
textos, poderá encontrá-los em PDF em diversos sites gratuitamente. Eles são
pequenos, de rápida leitura.
Alguns
estudiosos da Literatura Brasileira, como o professor Flávio Carneiro, da
própria UERJ, relacionam as experiências presentes no livro Primeiras Estórias
à ideia de primeiridade, proposta por Charles Peirce, que seria o espanto, a
primeira impressão causada, principalmente, por explorarem a figura da criança.
Vou
começar com A terceira margem
do rio! O conto, narrado em primeira pessoa, é um dos mais famosos do autor
e apresenta diferentes hipóteses. Dentre elas, há uma intertextualidade bíblica
com Noé, que também construiu uma embarcação, uma que compreende as margens do
rio como realidade e ficção, outra que entende a obra sob aspecto
espiritualista, etc. Enfim, cada leitor poderá fazer a sua interpretação do
conto. Até porque cada rio só tem duas margens, então o que seria a terceira
margem proposta no título.

A obra
se inicia no ambiente familiar, quando o pai do protagonista, que também é o
narrador, parte, em uma canoa, remando ‘‘rio abaixo, rio a fora, rio adentro’’.
Tal atitude repentina mexe com a família, principalmente com o menino, que
tenta manter a comunicação com o pai, seja levando alimento e mantimentos ou
até propondo ficar na canoa, porém, sempre com as refutações do pai. Com o
tempo, a família se muda da fazenda onde morava e cada membro toma seus rumos
na vida: os irmãos do protagonista se mudam, levando a mãe, porém ele é o único
que permanece. A identificação com o pai é presente desde o início da obra, mas
também se faz presente quando o narrador conta os ensinamentos de seu pai.
Guimarães
Rosa ficou marcado na literatura brasileira, sobretudo, pela sua posição diante
da língua, chegando a afirmar que somente renovando a língua é que se pode
renovar o mundo. Dessa forma, recorria a neologismos, como ‘‘se-ir’’ (passagem
de tempo), e inversões pouco usuais de termos, explorando novos sentidos em
seus textos. Em ‘‘A terceira margem do rio’’, esses e outros recursos
estilísticos são utilizados. As frases curtas contribuem para um ritmo lento de
leitura, como em: ‘‘Ele me escutou. Ficou em pé. ’’ O estilo poético, sonoro
também é explorado, como se percebe no trecho ‘‘e o rio-rio-rio,o rio – pondo
perpétuo.’’
Para entender esse conto, é necessário bastante atenção e concentração do
leitor, pois é uma obra densa e bastante conotativa, ou seja, não é formada
pelos elementos denotativos, com os sentidos reais, mas sim com os sentidos
figurados, assim como boa parte dos outros contos desse livro.
Agora é a hora do conto O
espelho! Você conhece o conto ‘‘O espelho’’, de Machado de Assis? Se não
conhece, busque conhecê-lo antes de ler o de Guimarães Rosa, que possui uma
intertextualidade direta com o de Machado. Ocupando a décima primeira posição
do total de 21 no livro, ou seja, exatamente no meio.
Diferente
do primeiro conto, este possui um caráter muito mais reflexivo, psicológico e
até complexo, tornando a sua leitura densa, por meio de uma linguagem mais
rebuscada, com termos científicos e também filosóficos. O conto se inicia com o
narrador não se reconhecendo diante do espelho, sentindo repulsa da imagem que
vê, buscando compreender a si mesmo. Dessa forma, o narrador parece conversar
com o leitor, como no trecho ‘‘Se
quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência’’, ou seja, logo
na primeira frase, o leitor é avisado que não irá narrar uma aventura, simples,
linear, fácil, mas sim um relato de uma experiência muito reflexiva. Ao longo
do texto, constrói-se uma imagem do espelho como um objeto ambíguo, apenas um
signo do que se mostra, podendo enganar as pessoas.

Durante todo o texto, o narrador procura convencer o
leitor com seus argumentos, valendo-se da persuasão como principal recurso.
Outra característica marcante é a encenação de um diálogo entre leitor e
narrador, como se percebe no final do texto, no qual o narrador faz perguntas
ao leitor. Esse conto ‘‘brinca’’ com as verdades, servindo como um meio de
análise do real, destruindo as máscaras e fazendo com que surja no espelho a
imagem da verdadeira pessoa, não do ‘‘monstro’’, como narra o protagonista.
Assim como no conto de Machado de Assis, não há uma conclusão, logo, a obra é
terminada ainda em aberto.
Espero
que tenham gostado dessa simples análise desses grandes e maravilhosos contos
de Rosa. Caso você queira conferir as questões sobre eles que foram cobradas no
vestibular da UERJ, como mencionei no início, acesse AQUI, conferindo as questões 18 a 25.
Uma ótima semana para todos!