Residente da cidade de
Niterói (RJ), a autora Cristina Pezel vem colhendo bons frutos de seus trabalhos
literários. Esse ano a escritora apresentou e ainda apresentará nesse feriadão o
seu trabalho na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, um grande
evento literário e cultural. Escrevendo desde 2013, ela participou de vários
concursos de poesias e contos, chegando a ganhar alguns deles. Nessa entrevista
para o Entrelinhas e Afins, Cristina conta para todo o público um pouco sobre
seu processo de escrita, seus projetos, participação na Bienal e muito mais.
1) Cristina, inicialmente, muito obrigado por ter
aceito o meu convite para esse bate papo para o Entrelinhas e Afins. Para
começar, gostaria de saber o que te levou a começar a escrever, ainda em 2013.
E queria saber também como era a sua vida e o seu trabalho antes de publicar
suas obras.
Eu é que agradeço a oportunidade de conversar com
vocês!
Gosto de escrever desde criança, mas há muitos anos
não escrevia, assoberbada com vários compromissos da vida. No entanto, por
causa de uma doença na família, encontrei na escrita um refúgio que me ajudou a
enfrentar tudo de uma forma melhor. Lamento não ter começado a escrever há mais
tempo. Mas agora que mergulhei nesse universo, estou muito feliz e realizada.
Como eu trabalho e tenho filhos, o tempo que tenho
para escrever é à noite, ou quando estou num transporte público, ou quando estou
numa sala de espera, ou quando acordo antes que todo mundo... O que mudou de
antes para agora foi isso: meu tempo livre é quase todo dedicado à carreira de
escritora que estou construindo.
2) Em 2014 e 2015, você se dedicou mais aos contos
e poesias e participou de concursos como o Prêmio Miró de Literatura e o
Cataratas. Conte um pouco mais sobre esses concursos e os seus prêmios neles.
Participar desses concursos, principalmente os de
contos, foi o que me fez pensar em prosseguir com a carreira de escritora. Ao
começar a ganhar premiações, percebi que eu poderia me aperfeiçoar e confiar na
minha escrita e propor-me desafios maiores. Aconteceu assim: comecei a escrever
muitos contos e poesias. Houve uma lacuna em que eu precisei parar de escrever
porque tive uma complicação com um braço quebrado que me impediu de usar o
computador por quase um ano. Foi nessa época que comecei a enviar meus escritos
engavetados a vários concursos literários, e fui ganhando alguns prêmios. Nesse
período aprofundei bastante a pesquisa sobre o universo fantástico para O MUNDO
DE QUATUORIAN, que eu já havia começado a escrever também, mas que estava numa
pausa.
3) Para você, como foi a sensação de ter seu
trabalho reconhecido em prêmios de caráter nacional? Como você os enxerga?
Às vezes fica difícil “fazer cair a ficha”. Foi uma
felicidade imensa. Em alguns concursos precisei viajar para receber o prêmio,
conheci escritores e locais novos e fui me apaixonando pelo mundo da escrita. O
reconhecimento me deu gás para mergulhar de vez na escrita do livro que eu
havia começado.
4) Esse ano você lançou o seu livro infanto-juvenil
O Mistério da Trave (foto acima), pela Editora Bambolê. De que trata essa obra? Quais foram
suas principais intenções com ela?
Esta obra é um infantojuvenil que trata de viagem no
tempo. Diego adora jogar futebol e numa situação inusitada se vê jogado para o
passado, onde conhece seu pai quando criança e trava uma amizade forte com ele.
Uma série de situações acontecem e ele vai mais para o passado ainda, onde
conhece sua avó ainda criança também. O livro aborda fatos históricos,
diferenças culturais, diferença nos meios de transporte, equipamentos
eletrônicos... fala ainda de futebol e amizade. Enfim, o “Mistério da Trave” é
o que Diego precisa desvendar para voltar ao seu tempo atual... o livro tem
belíssimas ilustrações do artista Waldomiro Neto, de Londrina-PR.
5) Você
também lançou o primeiro volume do livro ''O Mundo de Quatuorian'', uma obra de
ficção. Como foi para você narrar acontecimentos sobrenaturais e fantásticos?
Qual sua relação com esse universo?
Sempre gostei muito de narrativas fantásticas, adoro
“viver” nesses mundos! Sou fã de C.S. Lewis, Tolkien e GRRM, e eles foram minha
completa inspiração para este livro.
O MUNDO DE QUATUORIAN estava muito latente em mim.
Às vezes eu brinco de dizer que a obra se escreveu sozinha, pois embora eu
tivesse feito um planejamento sobre a história, muitas coisas mudaram seu rumo
de forma involuntária... muitos personagens também me desobedeceram e
escolheram seus próprios caminhos...rsrsrs. Eu lancei uma primeira edição
independente em 2016, e esta foi resenhada por vários blogs literários,
recebendo avaliações muito positivas, o que me deixou bastante animada. Acabou
chegando na editora Mundo Uno, que decidiu me publicar. Estivemos trabalhando o
livro durante uns seis ou sete meses, para aprofundar alguns personagens,
explicitar melhor alguns conceitos e cenas, e decidiu-se dividir a obra em
dois. Enfim, foi lançado o primeiro volume na Bienal do Livro RJ -Vol I -
Cheiro de Tempestade, e a projeção é que em 2018 lancemos o Volume II – O
Retorno do Imperador.
6) Cristina, você teve alguma preocupação por criar
uma obra mais voltada para o público juvenil? Por que escolheu esse público?
Não escolhi... aconteceu tão naturalmente... talvez
seja meu estilo, minha linguagem. Depois a obra foi enquadrada como fantasia
juvenil que atinge também os adultos. Que ótimo, pois então posso trabalhar com
um público que goste de fantasia até os 99 anos de idade! rsrsrs
7) Conte para nós um pouco sobre o enredo de ''O
Mundo de Quatuorian'', que também esteve na Bienal do Rio esse ano.
A história se passa num mundo totalmente novo e
fantástico, com um sistema astronômico próprio, uma forma específica de medir o
tempo; o mundo tem animais e seres com poderes especiais. Há um Imperador que
precisou guardar-se para a posteridade. Mais de mil anos separam este Imperador
dos jovens protagonistas... eles serão unidos por uma profecia. Há também uma
revelação importante guardada até um momento futuro em que a profecia anuncia o
retorno do Imperador milenar. O que está escrito no Códice dos Mestres é de
importância vital para que Teriva, Vinich e Julenis salvem as quatro terras do
mal que se instalou em Quatuorian. No livro conto a história dos protagonistas
desde a infância até a juventude. Reviravoltas, surpresas, aventura e
emoção estão presentes o tempo todo neste livro.
8) Em uma reportagem do jornal O Fluminense, vi que
''O Mundo de Quatuorian'' teve uma boa parte escrita na travessia da barca
Rio-Niterói e catamarã de Charitas. Quais outras curiosidades você pode nos
contar sobre a obra?
Tenho várias curiosidades pra contar!
·
VULCÕES - Os vulcões são parte muito importante na história, então vários
termos e nomes são de origem havaiana;
·
As cavernas subterrâneas foram inspiradas numa cidade real, a cidade
subterrânea de Derinkuyu, escavada em rocha vulcânica.
·
O Castelo de Tugevus, tomado por Vorten (logo no início da história),
assim como os demais castelos, são inspirados nas formações decorrentes de
fenômenos vulcânicos da Capadócia, “incrementados” com construção acessória
exterior (escadas, plataformas e varandas de madeira).
·
MAPA - Primeiro desenhei o mapa do mundo. Depois comecei a escrever. As
distâncias percorridas em viagens foram cuidadosamente baseadas na capacidade
do meio de transporte (caminhada, cavalo).
·
A VIAGEM DOS ASPIRANTES - No caso do caminho percorrido pelos Aspirantes,
considerou-se a distância que precisaria de 21 dias para ser percorrida a
cavalo. Durante a viagem, são aprendidas e avaliadas as qualidades do aspirante
a Guardião. Maron avalia esses candidatos na caminhada ritualística onde são
postas à prova as características essenciais do guardião: humildade, lealdade,
persistência, honra, bravura, coragem, dentre outras virtudes.
·
POMBOS-CORREIO - Com auxílio das informações fornecidas por email pela
Federação Columbófila Brasileira, pude inserir os pombos-correio na história.
Os pombos sempre voltam para o pombal onde nasceram. Antigamente, os pombos eram
levados de uma cidade para outra e estes eram mantidos presos. Quando se queria
enviar mensagens, os pombos eram soltos e retornavam à sua cidade origem (o
pombal onde nascera). O sistema se baseava em trocas de pombos entre cidades
vizinhas.
·
DOMO DE ZALI - O Domo de Zali, local onde acontece o ritual “Puro-Vitae”,
é descrito baseado nas características de vulcões inativos, onde há formação
sazonal de lagos e onde podem existir gases nocivos à vida.
·
SELAS, o “Kátigo” - O simpático personagem é totalmente inspirado no
incrível “Armadillo Lizard” (Cordylus cataphractus), lagarto que costuma
enroscar-se em sua cauda quanto sente alguma ameaça.
No livro, ele é amigo inseparável de Teriva e anda
em seu ombro.
·
ALAMEDA DULCÍVIA - Uma Alameda totalmente bucólica, quase mágica, que
isola seu transeunte do tempo exterior. No livro, Salek e Teriva andavam pela
Alameda Dulcívia e não perceberam que um temporal se aproximava. A Alameda liga
Probatus a Jucundus. Flores e frutos dão-lhe um permanente aroma adocicado,
repleto de pássaros e abelhas que ali têm seu paraíso.
SEMENTES DE MACIEIRA - As características para plantio de uma macieira
narradas no livro são verdadeiras. A semente desta árvore necessita de frescor
e temperaturas baixas para germinar. A
macieira da história é divina e mágica, por isso, dá frutos “dourados” e seu
tamanho é gigante, com largo tronco.
·
INSPIRAÇÃO MEDIEVAL - O MUNDO DE QUATUORIAN tem inspiração pré-industrial
com características de nosso mundo medieval. No entanto, na maior parte do
livro, a história se passa em um tempo de paz onde não há cavaleiros, lutas de
espada ou sangue.
·
ORGANIZAÇÃO DE QUATUORIAN - O MUNDO DE QUATUORIAN tem estrutura e moedas
próprias, e as unidades de medição de tempo, distâncias e medidas em geral são
diferentes das do nosso mundo real.
9) Fale um pouquinho sobre a sua rotina para
escrever uma obra, quanto tempo você demora para finalizar um livro, se tem
alguma mania, etc.
Escrevo normalmente cedo, antes que todos de minha
casa acordem (rsrs) ou à noite quando “as crianças” foram dormir. É um processo
de imersão e eu sei que fico fazendo caras e bocas, rindo, falando com a tela
do computador... e é assim que a coisa flui. Preciso de um local silencioso...
não consigo escrever com música ou barulho de TV.
Não há um tempo definido para que escrevamos uma
obra grande ou um conto. Tudo depende do fluxo criativo, do tempo que temos
para mergulhar na história etc. No caso de O MUNDO DE QUATUORIAN, considerando
a pausa que tive por causa do problema com o braço, posso dizer que o tempo
útil de trabalho na obra foi de dois anos, pois fiz dezenas de revisões e
reescritas de trechos.
Uma mania? Ler rapidamente cada parágrafo que
escrevo num idioma do tipo ta-ra-nan, ta-ra-nam, ta-ra-nam. Com entonação.
10) Sabemos que viver de escrita no Brasil ainda é
muito difícil. Como você enxerga essa realidade? E que recado pode dar para os
escritores iniciantes?
Particularmente, não tenho planos de viver de
escrita, mas sim de viver escrevendo, pelo prazer do texto, da narrativa, de
compartilhar mundos e histórias com os leitores. É isso que me move.
O que vejo é que o Brasil ainda é um pouco
preconceituoso com o gênero fantasia de autor nacional, mas sinto que isso tem
mudado gradativamente e há uma série de novos autores fantásticos ganhando seu
espaço. Graças a Deus contamos com o apoio essencial dos blogs e canais
literários para a disseminação da obra!
Sobre as editoras... ainda há muita dificuldade em
fazer chegar o original às mãos do(a) editor(a), e sinto que o mercado do
agente literário precisa crescer mais para facilitar a vida tanto dos autores
quanto das editoras.
Quanto a dicas para os escritores iniciantes:
- · Dê tempo ao tempo. Pressa só atrapalha o escritor.
- · Leia muito, e de preferência gêneros variados. Não se iluda de achar que
pode ser um bom escritor sem ler. Não pode. Mesmo.
- · Leia este livro também: “Sobre a Escrita - Stephen King”. Leia mesmo. Isso ajudará muito
você.
- · - Saiba aceitar críticas. Use leitores beta. Outros olhos conseguem ver
coisas que estão ocultas ao autor. O distanciamento crítico e a opinião de
cabeças diferentes ajuda muito no seu crescimento como escritor.
- ·
Guarde o que você escreveu por um tempo na gaveta e pegue alguns meses
depois. “UAU” é o que você dirá ao ver quanta coisa pode e precisa ser
melhorada, e só o distanciamento temporal permitirá a você enxergar.
- ·
E para fechar, reitero o primeiro conselho: Leia muito, e de preferência,
gêneros variados. Não se iluda de achar que pode ser um bom escritor sem ler.
Não pode. Mesmo.
11) E quais são os seus próximos projetos enquanto
escritora?
Estou em fase de preparação/revisão do texto para o
segundo volume de O MUNDO DE QUATUORIAN. Estou escrevendo também uma fantasia
juvenil com situações que ocorrem em mundos paralelos. Deverei terminá-la assim
que concluir o trabalho de texto para o lançamento de O MUNDO DE QUATUORIAN Vol
II – O Retorno do Imperador (2018).
12) Como foi sua experiência na Bienal do Rio? Conte sobre
seus dias lá e como se sentiu ao receber o carinho de seus leitores.
Está sendo uma coisa nova para mim, e que
experiência MARAVILHOSA! Os leitores que visitam o stand à procura da obra são
muito educados e carinhosos comigo! Eu fico até emocionada em falar disso. É
altamente gratificante esse contato. E é muito bom ver um leitor com seu livro
em mãos empolgado para ler a obra.
13) Cristina, fico muito feliz pela entrevista. Eu,
Vitor, em nome de toda a equipe ELEA, agradeço a você pela participação. Abraço
e muito sucesso!
Vitor, eu só tenho a agradecer o Entrelinhas e Afins pela oportunidade de contar um pouquinho
dessa magia que é poder compartilhar uma história com os leitores na forma de
um livro! Obrigada por esse espaço, pelo apoio e pela oportunidade!