Todo dia era o mesmo
percurso. Acordava sorrindo para as margaridas, que enfeitavam o canteiro de
sua janela, ia para escola, ensolarando por onde passava. Dava um “oi” pra
vizinha adoentada; que sempre ficava na janela esperando ele passar,
cumprimentava a menina da rua de cima, que levava todo (santo) dia seu vira
lata para passear. Entrava na padaria, acenava para o padeiro, ria para a balconista
e saia feliz para escola; mesmo passando o olho nas manchetes jornalísticas do
dia.
No meio do caminho, dava “bom dia” para as crianças que
iam para escola, para os colegas que lhe acompanhavam a atravessar a ponte e
até sorria para os “insorrivéis”, num gesto de carinho, mas também corajoso, de
demonstrar simpatia para aqueles, que muitos entortam a cara. Tudo naturalmente.
Num dia desses cinzentos e sem graça acordou de modo diferente:
não queria sorrir. Ele tinha medo, preferia não se expor naquele dia. Mas,
precisava ir à escola. Fechou a cara, guardou o sorriso e partiu para o
colégio.
A
vizinha adoentada esperou o seu sorriso, mas ele passou de cabeça baixa e seguiu
adiante, quando viu a dona do cachorro também fugiu dela, não abrira seu
sorriso para ninguém. Passou pela padaria, quis comprar um sonho, mas apenas
passou de longe, sem falar com o padeiro e com a balconista. Até os
“insorrivéis”, que já esperavam o sorriso de “bom dia” do menino ensolarado,
estraram a cena, e por mais que evitassem qualquer expressão de sentimentalismo
barato, sentiram falta do sorriso. E assim os dias foram ficando acinzentados
...
Foi
quando a vizinha do garoto ensolarado piorou, foi levada às pressas para o
hospital; parecia que o quadro clínico da senhorinha tinha agravado. A menina,
que já não mais passeava com seu cachorro, por coincidência, era esposa do
padeiro, que numa dessas rotineiras discussões, acabaram desfazendo os laços
matrimoniais. O padeiro, que fazia os melhores sonhos da região, acabou por
“incoincidência” de um dia acinzentado perdendo sua vida ...
Foi
quando um dos “insorrivéis”, já carente de um sorriso, invadiu a padaria, num
ato rápido e trágico, atirou contra o padeiro, que havia defendido a
balconista. Enquanto, o ladrão, carente de sorriso, atravessava a rua, fora
atropelado por uma ambulância. A mesma ambulância que trazia de volta a senhora
adoentada para a casa; a vizinha do garoto ensolarado. Com o impacto, a
senhorinha não aguentou. O “inssorivel” clamou
por perdão, mas ninguém o ouviu, assim como ninguém ligava para ele, ninguém o
cumprimentava. Ninguém o acudiu. Prenderam-no e jogaram-no num camburão.
Ficaram
sabendo depois, que aquele mesmo homem ficava ali todas as manhãs esperando o
menino ensolarado, apenas para ganhar um “bom dia” e evitar que ele mesmo
cometesse uma atrocidade. Ficaram sabendo, que o padeiro e sua esposa brigavam
todo dia, mas por causa da simpatia do menino; o padeiro se acalmava e usava
sua energia confeitando os doces mais incríveis da região. Ficaram sabendo
também, que a senhorinha adoentada, tinha câncer e que os médicos diziam que a
“hora” dela já tinha chegado, mas por um mistério divino ela ainda vivia.
O
menino ensolarado também ficou sabendo de todas essas histórias, muito triste
já não tinha mais forças para sorrir. Mas, lembrou-se daqueles que não riem,
daqueles que não são abraçados, daqueles que não são amados e resolveu deixar o
ego inflamado de escanteio. Voltou a sorrir, resolveu que todos tinham direito
a um “bom dia” ou até mesmo um sorriso amarelo e prometeu que daquele dia em
diante ninguém, jamais, ficaria sem um sorriso. Saiu pelo bairro ensorrisando
por aí, ensolarando a vida de muitas pessoas.
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