Eu, introspectivo
Quanto mais se espera algo de alguém, maior a decepção por
parte dela. Naquele natal não seria diferente. Uma grande massa de pessoas já
corria pelas ruas em busca de presentes, árvores natalinas e enfeites. O velho
Noel já ocupava a cadeira no shopping center.
E também em outro, e outro e (...). Eram tantos “noéis” de diferentes etnias,
que o Natal nunca fora tão diversificado. Indígena, magro, negro, amarelo,
alto, baixo, com barba real e com barba de mentirinha. Mas, com barba.
E
eu, quieto e vagarosamente, desviava daquela correria de pessoas, feito dardos
procurando um alvo. Sem rumo, como um pássaro que se perde do bando, busquei
abrigo sob a tapagem de uma parada de ônibus. Começara a chover. O que já era
esperado, devido ao calor daqueles dias. Os mais prevenidos carregavam
sombrinhas tão coloridas quanto os embrulhos que traziam em mãos. Outros se
encolhiam como podiam nas calçadas, para se proteger. Aos poucos, um aglomerado
de pessoas surgiu ao meu redor e percebi que até então não estava sozinho.

Pacientemente,
aguardei aquela civilização desconhecida dispersar-se pelos ônibus que
passavam. E, agora, eu havia encontrado a paz e a tranquilidade almejada. Eu e
a chuva.Era
véspera de Natal e cá estava eu, sentado em uma parada de ônibus, desprendido
da sociedade capitalista que reclama de dor nas costas durante todo o ano, mas
não se importa de carregar sacolas e mais sacolas nesse período. Desgarrado da
mania de se fazer simpático ao receber um presente que não gostei. Eu estava
cansado. Cansado de ter que tolerar todos os anos a mesma rotina, as mesmas
cerimônias, as mesmas comemorações. Todos os anos, alguém morre na sexta-feira
e revive no terceiro dia. Todos os anos as crianças vão caçar os ovos
escondidos na Páscoa e os maiores festejam os prazeres da carne. Todos os anos
alguém vai e pinta a cara feito índio. E, agora, todas as pessoas, vão às
compras pra presentear os entes queridos. Balela, calúnia, lorota, fingimento.
Ninguém se lembra do índio e de seus “ensinamentos” ao cortar uma árvore e
jogar lixo no chão. Todo mundo
se arrepende após ingerir doses e mais doses de chocolate ou de ter que gerar
uma criança, a mesma que será pintada de índio, nove meses após o carnaval e
seus festejos. Ninguém se lembra de colocar a roupa mais simples pra ir àquele
lugar, durante o processo de morte daquele citado anteriormente.


Por: Ailson Lovato, autor de " Agridoce".
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