NEM TODO MUNDO É FELIZ NO NATAL
No descaso de quem amamos residem nossas maiores decepções. Tristeza nos deixa de cama, feito gripe das brabas. Mas tristeza acomete a alma, e alma de cama não pode ser tratada como uma simples gripe.
Queria entender _porque não me lembro_ do que é feito o vírus maldito e tão poderoso que paralisa e imbeciliza os adolescentes que, há bem pouco tempo, ainda eram crianças amáveis, felizes com o que tinham e adoradores de seus pais _ou mães, nesses tempos modernos de “pães”.

À medida que o ano passou e o vírus diabólico da adolescência se desenvolveu no corpo e nos olhos de Íris, um abismo se abriu entre as duas. A situação piorou quando a menina, uma ainda pífia criança, autointitulou-se madura e arrumou um namorado. Coisa triste é dividir a casa com quem mais se ama e continuar sozinho. Aquele ano _e devo dizer que nos seguintes também_ foi assim. Íris respondia a qualquer expressão de sua mãe com atos silenciosos, com olhos fumegando despeito, deboche e até certa raiva. Numa tarde de novembro, bloqueou a mãe no whatsapp, canal que mais usava para namorar. Algumas vezes chegou a fazer planos de fugir com o grande, único e verdadeiro amor de sua vida, o namorado, de 13 anos.
Íris queria protestar. Não tocava na comida que sua mãe deixava pronta para ela. Deixava furtivamente as correspondências sobre a cômoda da sala, sem qualquer aviso. Uma vez ela chegou a tirar do varal apenas as suas roupas, deixando todas as de sua mãe lá, penduradas.
(Imagino que ingratidão de filho deve doer mais que a dor do câncer, aquela que nem morfina dá conta. Mas só imagino, não tenho filhos. E não sei se quero tê-los.)

Na tarde daquele Natal, a mãe de Íris ficou muda, como há muito já estava, apenas observando de soslaio a filha, que desfilava saltitante do quarto pro banheiro, cantarolando e dando gritinhos de ansiedade. Naquela tarde sua mãe fez que não viu a filha tirando a graça das ondas de seus cabelos com aquela prancha que a deixava com cara de industrializada, tampouco deixou reparar que a menina carregava os olhos e os cílios de lápis e rímel pretos, o que a vulgarizava e tirava-lhe todo o tom pueril. Resignada, sua mãe apenas observava. É inútil descrever as dores. Para conhecê-las é mister senti-las.
Apesar do amor infinito que a mãe de Íris sentia por ela, ela não se opôs a nada. Suspirou fundo quando ouviu a menina, já com a porta da sala entreaberta lhe dizer: “Feliz Natal, mãe”. Do corredor, podia-se ouvir a voz exultante de Íris: “Amor, daqui a pouco estou aí! Te amo!”. Sobrou naquela sala uma solidão palpável, um silêncio imperial que gritava. De qualquer cômodo daquele pequeno apartamento era possível ouvir as batidas do coração da mãe de Íris.

À meia-noite e cinco, a mãe de Íris se deitou. Tornou-se filha e sentiu uma saudade dilacerante de sua mãe e de todos os Natais que puderam viver juntas.
Por: Ludmila Clio
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